Para estrear a coluna de bate papo do blog, não foi difícil escolher o primeiro convidado. Referência no quesito Literatura & Futebol, e Xerifão do time dos leitores no esporte, o convidado não poderia ser outro se não, o grande Wallace Reis. Multicampeão no Vitória, Corinthians e Flamengo. E com passagens por Grêmio e Gaziantepspor (Turquia), ele está de volta a série A do brasileirão e me recebeu no Estádio Manoel Barradas, o Barradão, em Salvador. Antes de ligar o gravador, pude contar a ele um pouco da minha trajetória, explicar do que se trata o blog, e claro, falamos sobre futebol e o contexto geral do esporte bretão no Brasil e no mundo. Com o gravador ligado, o resultado foi esse aí! Espero que curtam!
Literatura&Futebol: Pra começo de conversa, valeu pela moral, craque! Muito legal poder trocar uma ideia com você, de jogador pra jogador. O literatura&futebol não poderia começar de maneira melhor! Mas fala aí pra rapazeada, como foi que você iniciou o seu gosto pela leitura e qual foi o primeiro livro que você leu, foi livro um sobre futebol?
Wallace Reis: Bem, Leo, é um prazer estar aqui e fico feliz por ver você tomando essa iniciativa, coisa que é pouco usual no nosso meio. Fico feliz por estar podendo te ajudar e poder falar um pouco também sobre livro, que é uma das minhas paixões. Bom, eu comecei a ler eu tinha uns 15 anos aqui mesmo no Esporte Clube Vitória. A gente tinha uma biblioteca, em torno de 500, 600 livros. Eram muitos livros, porém o meu interesse não eram os livros, o meu interesse era o xadrez , nós tínhamos um psicólogo chamado Renato e ele estava nos ensinando a jogar aí eu peguei gosto pelo jogo. Consequentemente por estar ali todo dia na biblioteca comecei a ver os livros, e eu acredito que a leitura, para criar o hábito tem que ser uma coisa que te chame atenção, que gere interesse, então eu via aqueles livros todo dia, um dia eu pegava e folheava um, folheava outro, mas sem muito interesse. Até que um dia um companheiro de equipe, falou: ” cara, você mora em plataforma, pega 3 ônibus, pega o teu período ocioso e lê um livro”, aí ele me deu um livro chamado: ” O homem que matou Getúlio”, do Jô Soares. E esse livro eu me apaixonei pela história e li em uns 5 dias, sendo que eu nunca tinha lido um livro e eram umas 300 e poucas páginas se não me engano, e a partir desse dia eu não parei mais né!?(risos) e acabei crescendo um pouco da minha biblioteca também, do meu conhecimento, sempre na busca por livros que me chamassem atenção.
L&F: Você sabe que é uma exceção no nosso meio, como é que você vê o fato de ter se tornado um símbolo intelectual do nosso futebol, e o que acha da falta de incentivo ao estudo para com os atletas, por parte dos clubes e dos responsáveis pelo esporte no brasil.
WR: Olha, essa questão de intelectual acho que super valorizaram isso aí(risos), eu não sou nenhum tipo de intelectual, eu só gosto de ler livros. Uma coisa que em outros países é a coisa mais normal do mundo, aqui no nosso país é diferente. Eu acredito que a taxa de leitura de uma pessoa aqui deve ser em torno de meio livro por ano, nada mais que isso. Então acaba que você cria um rótulo, as pessoas adoram e é natural do ser humano rotular você de alguma coisa, só que acabam esquecendo que além de ler eu jogo também, então muitas vezes as pessoas tem deixado de falar o que eu jogo pra falar das coisas que eu faço extra-campo, mas é natural até porque as vezes o que vende é isso. E em relação à questão da educação, é lamentável né, acredito que o clube é um dos responsáveis por isso mas acho que o governo é o principal responsável. Por exemplo na última gestão do nosso governo petista, onde o lema era: “Educação para todos”, o primeiro corte que se teve foi de 2 bilhões na educação, então há uma contradição abismal no conceito do que é educação no nosso país, a gente deseduca as crianças, e o jogador de futebol ele é reflexo da sociedade, ele já vem com certos vícios ruins como dar pouca importância a educação, então vai ser um processo lento pra gente mudar a mentalidade do atleta porque eu acredito que a educação venha lá de baixo, começa em casa e a escola é quem te dá esse outro suporte.
L&F: Você começou a cursar educação física esse ano lá em Porto Alegre numa faculdade parceira do Grêmio, esse era um desejo antigo seu, e foi possibilitado graças a união de clube e instituição de ensino, como que foi pra você a experiência e você acha que esse tipo de parceria é importante pro nosso futebol?
WR: Sem dúvidas é importantíssimo né Léo, o Grêmio tinha uma parceria com a UNILASALLE, eu fiz 6 meses e vi o quanto e quão importante é o atleta saber dessa parte teórica e técnica. Você começa a entender o mal que alguns preparadores físicos fazem ao seu corpo e apesar de ter sido por só um semestre, foi algo muito interessante principalmente por abranger a visão técnica e teórica da coisa. E não é algo único, O EC Vitória por exemplo na minha época tinha parceria com uma faculdade particular aqui de Salvador, e eu acredito que ainda permaneçam parceiros. E seria muito importante a expansão das parcerias porque quanto mais jogadores com nível superior o futebol melhora, até porque pensar faz parte do esporte. Quem acha que no futebol não tem que pensar está totalmente enganado. Eu costumo dizer que quando se tem um time inteligente, o jogo sai melhor, o cara tem uma leitura de jogo muito melhor do que um cara que tem um pouco mais de dificuldade de assimilar e receber algum tipo de informação que o treinador determina ou a própria leitura do jogo em si. Então eu espero que se crie algum tipo de parceria não só nessas duas equipes mas em outras equipes e que tenham todo suporte de outras faculdades, que gostariam de fazer parceria com algum clube, até porque futebol é a coisa que mais se vende no nosso país.
L&F: Lá na sua cidade natal, Conceição do Coité – Bahia , você está dando início a sua escolinha de futebol, a W14, que tem uma proposta diferenciada de ensino, conta aí como é que ela vai funcionar!
WR: Inicialmente a Academia de Futebol W14 vai ter todo o conceito do que eu acredito que é futebol, trabalhando tudo aquilo que em mais de 100 anos não mudou no esporte, mas trabalhando bastante também a parte cognitiva do atleta, até porque eu aprendi bastante sobre isso nos últimos anos, pelo fato de ter tido alguns treinadores que incentivavam muito você a pensar, e é uma coisa que eu quero colocar em prática, até porque eu não quero formar atletas robôs, eu quero que ele tenha autonomia para pensar por si só e quando for exigido ele consiga pensar de uma forma menos desgastante até porque pensar geralmente queima neurônios né(risos) e eu quero criar esse tipo de estímulo para eles também.
L&F: Durante as concentrações, a leitura é o seu passatempo favorito? Ou você gosta de fazer outras coisas? E tem algum outro jogador que também costuma ler?
WR: Bom, o Paulo André lê bastante também e tem outros jogadores que leem sim, não é essa alienação que as pessoas dizem, só não é uma leitura que eu sou muito adepto, geralmente é auto ajuda, todos seguem muito mais nessa linhagem, mas acho interessante e bom pra caramba até porque é leitura então é isso que importa. Mas na concentração geralmente eu tô lendo ou tô escrevendo, porque eu tenho uma coluna no site da minha cidade e a cada 15 dias quando eu to com paciência, acabo escrevendo e mandando alguns textos pra lá, mas geralmente escrevo quando tô inspirado e como eu sou preguiçoso(risos), isso acontece uma vez, duas vezes a cada mês.
L&F: Não faz muito tempo, você criou um blog, o http://www.owallaceleu.com , pra falar sobre os livros que tinha lido e chegou inclusive a ser convidado a ir à Academia Brasileira de Letras, como foi pra você, ter atingido esse patamar em tão pouco tempo?
WR: Eu fiquei extremamente orgulhoso pelo convite da Academia Brasileira de Letras, principalmente sendo nordestino. Orgulhoso também por ter saído do sertão da Bahia, Conceição do Coité e conseguir alcançar esse feito, não financeiramente falando, mas como pessoa! Eu fui o primeiro jogador de futebol a ser convidado à academia brasileira de letras sem ser devido ao esporte, o meu convite foi em cima da literatura, então foi um marco! E o blog infelizmente está inativo e vai ficar assim por um bom tempo, eu quero fazer um novo projeto em relação a ele, porque ele tava muito pobre e eu não tava conseguindo ter uma proximidade com aqueles que liam e que buscavam algum tipo de informação, que era muito restrita, muito pobre pra tudo que aqueles livros tinham pra oferecer, para aqueles que gostam de literatura, mas vamos sentar pensar com paciência e ver se a gente reinicia com um projeto mais ousado.
L&F: Durante seu período de Flamengo, no título da Copa do Brasil, antes de um dos jogos decisivos, você deu um livro a todos os atletas do time, conta aí que livro foi e como foi que aconteceu!
WR: O livro é um do Michael Jordan, o “Nunca deixe de tentar”. Eu comprei uns 30 exemplares, e eu já tinha lido esse livro, é uma autoajuda, que como era do Jordan eu queria saber mais ou menos a base. É um livro simples, de leitura fácil e não foi um livro que tenha me chamado muito a atenção, mas eu queria que os atletas vissem aquilo como um início para a leitura e algo motivacional, até porque o jogador gosta dessas coisas. Dei um exemplar à todos os atletas, alguns leram, outros folhearam, mas acredito que tenha feito diferença sim, afinal nós nos sagramos campeões daquela Copa do Brasil em 2013.
L&F: Ainda na época de Flamengo, você construiu uma biblioteca pra molecada da base comprando a estrutura do próprio bolso e usou livros do seu acervo pessoal, de onde surgiu a ideia da biblioteca e como foi pra você ter feito parte disso?
WR: Foi muito legal, eu fiz simplesmente para que outros atletas pudessem também ter essa oportunidade né! Porque pra você ler um livro, você tem que tá vendo o livro e vendo todo dia, aí isso te cria curiosidade e a minha intenção foi essa, se deu frutos eu não sei, mas acredito que o livro é transformador e se não consegui atingir 20 atletas, ao menos 1 foi semeado com essa sementinha.
L&F: Você saiu lá de Conceição do Coité, “interiorzinho” da Bahia e ganhou o mundo, literalmente! Como você analisa a importância do futebol na sua vida?
WR: No nosso país a gente tem apenas quatro chances de ter sucesso: ser jogador de futebol, ser cantor sertanejo hoje, ralar pra caramba na hora do estudo ou você é da família Cabral né!? Do governador do estado do Rio. Então se você não for uma dessas 4, você não tem chance de obter sucesso, infelizmente. Mas eu fico extremamente feliz, me sinto orgulhoso e sou grato ao futebol por tudo que ele me deu, não sou rico, não ganhei muito dinheiro, mas consigo me virar com tudo que o futebol me deu e mais do que qualquer coisa ele simplesmente me abriu portas né!? Pra conhecer pessoas, conhecer um novo mundo, visitar países, conhecer outro futebol, outras culturas e entender um pouco mais sobre a história do mundo em si. O futebol agrega muitas matérias, desde matemática, física, química, geografia, história, só que na maioria das vezes as pessoas veem o futebol de uma forma bem micro, infelizmente.
L&F: Você encabeçou e fez parte de um movimento de atletas e ex atletas, que ficou bastante conhecido no Brasil que foi o Bom Senso FC, que infelizmente acabou cedo, mas que deixou um legado importante para o nosso futebol. Conta aí como foi que surgiu o projeto e se vocês atingiram o patamar que esperavam!
WR: O Bom Senso FC começou num papo junto com o Paulo André, eu ainda era moleque na época, tinha 23 anos, falei pra ele assim: “Paulo, tá na hora de você tomar uma posição e fazer como se faz na NBA, você em especial porque você já tem a credibilidade pra convidar todos os atletas.” – na época eu tava lendo muito sobre NBA, sobre os sindicatos de lá e como os jogadores se posicionavam em relação a isso. Alguns atletas num primeiro momento deram pra trás, uns não compraram a ideia por medo e outros por simplesmente não gostar de se posicionar, o que é natural. A gente esperava mais, o Bom Senso poderia ter sido maior, eu acho que o grande problema do Bom Senso foi ter seguido uma vertente muito mais jurídica depois, do que tentar de alguma forma um corpo a corpo com os jogadores. Eu entendo que a parte jurídica e política é extremamente importante mas não se faz nada disso sem os jogadores estarem encabeçando. Os que estavam encabeçando foram parando, então foi perdendo força e não se criaram novas lideranças e até pela questão da falta de conhecimento dos mais jovens o movimento foi afrouxando, foi perdendo força, e acabou chegando ao fim, mas foi válido para o período que tivemos, conseguimos alguns pontos positivos, mas eu acho que se tivesse sido mais amplo do que foi, teria trazido muito mais benefícios, principalmente pros atletas que jogam na 3 divisão, 4 divisão e na própria 2 divisão, com um calendário mais justo e direitos financeiros também mais justos.
L&F: E pra finalizar, deixa aqui pra molecada que tá começando no futebol uma sugestão de leitura para que eles possam deslanchar também e se tornarem leitores assíduos!
WR: Bom, como essa molecada mais jovem gosta dessa coisa do conflito, eu aconselho ler o: “Abusado” de Caco Barcellos, que conta a história de um traficante, o “Marcinho VP”, é uma biografia romanceada e até agora não teve quem não goste! Todas as vezes que eu indiquei para os não adeptos da leitura os caras ficaram apaixonados pela história que é muito bem escrita e muito bem contada. Eu acredito que pra quem quer começar a ler, apesar da grossura do livro e da quantidade de páginas, vale muito a pena.
Parabéns !! Você é incrível, grande iniciativa!! ❤
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Parabéns pelo blog! Eu acredito que aqueles que lêem são muito bem preparadas para a vida, além de fornecer conhecimentos que, mais tarde, será útil na caminhada.
Livros oferecem a possibilidade de conhecer um novo mundo em suas páginas e um blog no nível do seu também, show. Amei a formulação das perguntas, me encantei com a riqueza do conteúdo. Já na expectativa da próxima postagem.
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